Expresso_002: Onde está o ato de ouvir em um mundo cheio de histórias para serem contadas
Tá ouvindo? Mas eu digo, tá ouvindo mesmo?
Quantas vezes nós estamos conversando com outras pessoas, mas nos perdemos em rolar o feed do Instagram no celular, ou nos distraímos com algo além do olhar daquela pessoa, fazendo a voz do outro soar abafada no ouvido.
Eu mesma confesso que às vezes meu companheiro fala alguma coisa, mas eu estou tão distraída em uma tela digital, que as palavras passam despercebidas.
Ouvir hoje em dia demanda alta atenção e, acredite, estamos perdendo uma capacidade que faz parte dos cinco sentidos do ser humano.
Se não escutamos com atenção plena o que nos é dito, como podemos ter consciência do que consumimos e acreditamos?
Em “Vita contemplativa - ou sobre a inatividade”, de Byung-Chul Han, o filósofo cita Nietzsche para falar sobre como a alta produtividade nos fez perder a capacidade de pensar com tranquilidade, de ponderar opiniões, estando satisfeitos em apenas odiá-las.
Olha a internet como está hoje em dia: cheia de opiniões, com embasamento, sem embasamento, opinar por opinar porque a ‘liberdade de expressão’ me libera a fazer isso sem pudor.
Não descansamos e estamos sempre alertas ao que acontece ao nosso redor, sendo assim, não podemos deixar de reclamar e opinar sobre tudo.
Han ainda cita Deleuze para explicar a falta de silêncio que vivemos com nós mesmos, afirmando que perdemos essa habilidade de contemplar para finalmente encontrar o que expressar.
A dificuldade hoje não é mais a de não podermos expressar livremente nossa opinião, mas a de conseguir espaço livre para a solidão e o silêncio nos quais possamos encontrar algo para falar. [...] pois apenas então temos a possibilidade de criar algo cada vez mais raro: algo que realmente vale a pena ser dito.
HAN apud DELEUZE, 1995, p.38.
Se escutar com atenção, uma história nunca é singular
Ao perder a habilidade de escutar, nos fechamos para o mundo e acreditamos somente naquilo que nos é ideal. É dolorido lidar com ‘estados de ser’ contrários ao nosso, mas deixa eu te dizer uma coisa: a vida não é para ser confortável.
É na pluralidade que chegamos mais próximos da igualdade e é nesse ponto que eu quero tocar quando falo de histórias singulares e plurais.
Chimamanda Ngozi Adichie, em “O perigo de uma história única”, comenta que mostrar uma única história sobre um povo é perigoso, pois se só determinada característica for designada aquelas pessoas, é nisso que aquele povo se torna.
É necessário um equilíbrio de histórias, para que assim todas as experiências possam ser consideradas na formação de um povo, no qual pontos negativos e positivos contribuem para uma escuta mais humanizada.
Agora, tá escutando melhor?
Para, respira e escuta. Quanto mais treinamos os nossos ouvidos para o mundo, mais propensos estamos em opinar algo que realmente tem valor e acrescenta para um futuro em sociedade mais democrático, igualitário e gentil.
Referências:
ADICHE, Chimamanda Ngozi. O perigo de uma história única. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.
HAN, Buyng-Chul. Vita contemplativa: ou sobre a inatividade. Rio de Janeiro: Vozes, 2023.